domingo, 11 de outubro de 2009

Litania

Escorrendo nesta noite em fora, vagaroso no tremor-nervoso que não sai do lugar, gota gélida de suor flutuando perdida entre dois sóis, trilhando em catábase para o abismo daquilo que não sei mais se é real, abrigando-me no passado por não ter onde ir, amparo meus olhos na fechadura que conduzem - não sei porquê - a ti (e não a nós, separados pelo epílogo de cinco anos de uma história que terminou sem ter acontecido - e que terminou por terminar), e caio em suspensão pelo peso imensurável da perplexidade, esta palavra que esconde atrás de si o desespero, o arrependimento, e todas as outras dores que dóem sem ser listadas, que dóem de doer. Olho a mulher que você se tornou, há tão pouco tempo uma garota assustada em meus braços, fazendo seus jogos felinos perante meus olhos grandes e redondos, aconchegando os mimos que não consegui me repreender de fazer (e de não fazer), dançando seu cabelo vermelho azul preto no canto em que conversávamos, me atraindo ao vento molhado da noite e resplandecendo, na nossa espera de casal jamais unido, àquela luz da lâmpada que teimava em piscar, vacilante, no deserto do ponto final do dia. Olho-te escondido, amor (e as lágrimas escorrem pela fechadura): como você está linda, mudada, e no entanto a mesma. Como te desprezo, te vejo, te quero. E então me pergunto como te perdi. Percorro o enigma, nos vejo na fábula que adormeci e que, quando acordei, você tinha já ido embora; lembro-me da surdez de minha ingenuidade aos miados suaves e baixinhos da sua boca, e constato, calado, oferecendo-te apenas este silêncio, que ora sofre em resistir, que se recolhe com dificuldade em sua própria espiral, desejando sumir em si mesmo, e secretamente sabendo que jamais o é possível.