quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Maçãs conjugais

"O que é que eu quero
Se eu te privo do que eu mais venero?"
(R. Seixas/P. Coelho)

Tenho tido problemas para justificar meus atrasos no trabalho. Já recebi advertência. Cada pedaço da minha vida está sendo arruinado por essa mulher. Eu saio na hora do almoço e volto mais magro ao escritório. Às vezes, quando muito, como um pastel em algum boteco que, por sorte, esteja localizado em um ponto privilegiado. Observo-a de longe, mastigo depressa, quase esqueço de pagar a conta. Computo cada gesto, cada sorriso. Sim, os sorrisos: são eles que me matam. São eles que conferem a independência da felicidade dela em relação a mim. Ela e os colegas saem do restaurante, vejo-a falando com um deles, um homem. Pego o maço, tiro um cigarro, acendo-o. No bolso, um cartão de um detetive particular. Aliso-o com dedos nervosos, penso em colocar microfones em sua bolsa. Mas faltam-me recursos - e insanidade. Sim, sobretudo a insanidade necessária para vazar meus olhos em cada detalhe e momento dela. Mantenho um revólver que comprei há dois meses em nossa casa, debaixo de nossa cama. Minha raiva é silenciosa, meu domínio frustrado sobre sua vida é coisa que guardo em mim. Às vezes, quando observo-a deste boteco imundo, minha vontade é pegar o revólver e matar esse sujeito com quem ela tanto fala. Eu é quem deveria ter o poder de fazê-la sorrir, e não esse moleque que acabou de sair das fraldas. Mas quando estamos em casa, no limite dos três anos de casados, o meu ressentimento é mais forte: extrai lágrimas, almofadas e paredes. Talvez melhor fosse matá-la. Ou meter logo a bala em minha cabeça. Agora ela volta à empresa: não foi hoje que aproveitou a hora do almoço para ir num motel. Suspiro de alívio, buscando como um desgraçado o nosso fim que tanto desejo não desejar. Corro ao meu escritório, cada dia mais suado, cada dia mais magro. E uma vez mais atrasado.