segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Um idiota, parte 1

Ele era uma criança no corpo de um adulto. Para os que não o conheciam - ou que não queriam acreditar ou lembrar que o conheciam -, o rosto, quando sério, denotava gravidade e seriedade, e desta forma esperavam algo dele (‘talvez’, diziam entre si, ‘ele pode nos ensinar alguma coisa’). Mas, era apenas eles lhe permitir abrir a boca para falar algo, dar-lhe condições para se manifestar, e algo estranho de súbito já começava a surgir. Primeiro, pressentia-se algo de errado (‘será que é isso mesmo?’, pensavam), e prosseguiam o exame até o momento de sentirem-se inteiramente à vontade de sentenciarem, abertamente entre si, não raro com gargalhadas e galhofas: ‘sim, é isso mesmo’! Posteriormente, remexendo consigo as memórias de quando estivera com os outros (e muito amiúde ele fazia isso, já em sua solidão), o adulto envergonhava-se do que a criança falara - e pior, de como a criança falava. Mesmo forçando interpretar um adulto, a teimosia da criança fazia-se imiscuir em suas palavras, em seus gestos, em sua postura, em seu olhar. Apesar das tentativas em dominar a língua dos adultos, a sua ingenuidade colapsava o engenho necessário para tanto. A consequência disso era uma criança no corpo de um adulto. O adulto era triste. A criança também.

sábado, 24 de março de 2012

Pobreza (fragmento de um diálogo)

"...Sim, eu sei. Mas entenda o seguinte. Por durante todos esses anos, eu havia vivido sob a égide de um medo: o medo de ganhar. Neste sentido, as minhas incursões ao vazio, que com tamanha substância representaram a estagnação e isolamento de minha juventude, eram realizadas de maneira impetuosa, posto que eu não tinha nada a perder. Com o medo de ganhar, em suma, eu já estava nas condições de perdedor antes do início de qualquer minha empresa; e a preocupação única era de, cuidadosa e sutilmente, não ganhar, não obter lucro, não sair do negativo. O que me ocorre agora é, por outro lado, o medo de perder. Fui intoxicado por isto e, tendo vivido aquém do limiar da pobreza por tantos anos, a migalha que há – ou havia – na minha mão tornou-se-me o bem mais precioso. Se para outros, que viveram as suntuosidades e exuberâncias da vida normal e mediana, isto que agarro é nada, este nada para mim não obstante é tudo, ainda que tão pouco seja à sombra do que eles têm ou tiveram. Veja: o pior medo de quem não tem nada a perder, é perder aquele nada que achava não ser possível perder. É enxergar que, no fim das contas, somos inapelavelmente vulneráveis - não importa nossa pobreza".