terça-feira, 23 de agosto de 2011

La mort du loup

O homem está sentado sozinho frente ao mar. As mãos cruzadas tentam conter o frio que ameaça a espinha. Os dentes se contorcem ritmicamente e as pontas dos dedos adquirem tonalidades crepusculares. Talvez frágeis formações de gelo se organizem em volta de suas narinas, e certamente as retinas encontram-se congeladas, capturando com amargura a violência arcaica das ondas contra as pedras. Há vinte e seis dias ele não toma mais os comprimidos: a necessidade científica de testar os condicionantes de sua vida; a ética auto-destrutiva de sondar os limites da ilusão da natureza de seu mundo. E ele constata, ali, que as conquistas dos dois últimos anos se concentraram em vinte miligramas diários da hóstia sintética, consumida religiosamente, sob o sol que não brilha agora. O oceano avança, engole as rochas, e o homem observa, com mãos atadas, seus castelos de areia - tão laboriosamente levantados - se dissolverem face àquela força monstruosa. Levanta-se então e caminha, hesitante, rumo ao mar. Enfim um ato de sua autoria, pensa. Cada vez mais o corpo se torna gélido e mineral, até se indiferenciar por completo na água. Sente o ímpeto da vida levando-o correnteza adentro, e segura na mão, o quanto pode, os últimos vinte e seis comprimidos do antidepressivo, como em oferenda. E exila-se da terra, de uma vez por todas.