domingo, 2 de janeiro de 2011

Incêndio

Observo com desalento o incêndio à minha frente. Desenlaço a gravata e desatarraxo um botão da camisa em troca de mais ar. Estou suando muito, passo a mão na testa e depois no paletó e sinto sede. Não consigo pensar em nada, como se todo o movimento que minha cabeça devia estar fazendo está naquelas chamas vigorosas. Por fim vejo pessoas gritando, outras chorando, outras paradas. Somos todos um no mesmo desespero. Começo a vagar a passos confusos e a olhar à minha volta como fosse a primeira vez que estivesse no mundo. Percebo aleatoriamente o barulho ensurdecedor do local, o rugido da queima, os metais se retorcendo, vidro sendo arrastado, gritos, e depois volto a ser indiferente a isso. Ando despreocupado e alheio aos outros. Não somos todos um num mesmo desespero, pois não sinto comunhão com aquele espetáculo. Somos todos, sim, estilhaçados, cada qual limitado a si mesmo, radicalmente apartados, desamparáveis. Noto que continuo segurando minha maleta na mão e, sem me dar conta, me sento no meio-fio. Estou muito cansado. Um homem me oferece uma garrafa de água e agradeço sua bondade. Tomo apenas um pouco, por educação, mas tendo o sujeito sumido quando buscava eu devolver-lhe, resolvo tomar o resto. Ponho a maleta na calçada e me deito a cabeça sobre ela. O cansaço é devastador, mas dá lugar ao alívio. Expando-me pelo espaço, estico as pernas, com o braço vedo meus olhos. Pouco a pouco durmo com a esperança de, quando acordar, estar na minha cama. Em alguma gota do fundo dos meus pensamentos, há uma consciência de que tudo que construí na vida se perdeu naquele fogo. Mas vejo-o desinteressado. Sou apenas cansaço. E durmo.