quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sete anos

Sete anos depois de ter saído para comprar cigarros, ele voltou. A mulher recebeu-o de avental, segurando um pano de prato. Ele beijou seu rosto. Percebeu três meninas acuadas, colocou sua maleta sobre uma cadeira. A mulher gesticulou chamando-as, e elas vieram em fila (ele não as reconhecia mais). Afagou suas cabeças, na medida que a um homem é dada a permissão de expressar afeição. Sentou-se na cadeira da ponta e aguardou-as terminarem de preparar a mesa. A mulher o serviu e começaram o jantar. O barulho das gargantas engolindo carne assada, arroz. Engolindo o feijão, a casa, o mundo. Engolindo o tempo, os anos e uns aos outros. Não havia nada nos olhos dele. Não havia hesitação, nem gestos, nem significado. Limpou com eficiência a boca, levantou-se com gravidade e sentou na poltrona frente ao rádio desligado. Aguardou lavarem os pratos, arrumarem o que fora desarrumado. As três vieram em fila, viram-se refletidas nos olhos dele. Cada uma foi beijada na testa - seus beiços frios. E então puderam recolher-se. A mulher voltou, subiram os dois ao quarto e foram à cama. Nenhum gemido, nenhum prazer. Terminado, cada qual voltou-se ao seu lado. E essa noite repetiu-se para sempre, entre fumaças de cigarro do comércio da esquina.